Pular para o conteúdo principal

Comportamento geral

(Foto: Isac Nóbrega/PR)

Já se passaram mais de 500 anos desde que o Brasil foi colonizado (ou melhor seria dizer invadido?) e desde lá a gente parece não ter aprendido muita coisa. Pior que isso talvez seja a nossa memória curta, mesmo para situações extremamente desesperadoras.

Em 1972, em plena ditadura militar, um dos maiores compositores da história da música popular brasileira, Luiz Gonzaga do Nascimento Jr., o Gonzaguinha, lançava seu disco homônimo com uma canção que bem representava o país daquele momento e que, por incrível que pareça, continua representando até hoje.

Você deve notar que não tem mais tutu
E dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
E dizer que está recompensado

Você deve estampar sempre um ar de alegria
E dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
E esquecer que está desempregado

Você merece
Você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba e amanhã, seu Zé
Se acabarem teu carnaval

A letra de Comportamento Geral incrivelmente contemporânea incomodou os militares porque era isso que eles queriam do povo brasileiro: manter a suposta cordialidade que sempre lhe pareceu ser intrínseca. Afinal de contas, o brasileiro é um povo dócil, não disposto a guerras, amigável, mesmo quando punido com severidade sem razão aparente.

A inoperância do brasileiro volta a ter destaque quando, por escolha de uma maioria convicta, se elege alguém como Bolsonaro. O "capitão" que com quase 30 anos de vida política nunca fez nada pelo seu próprio estado, que sempre venerou a chamada Revolução de 1964 (não seria Golpe de 1964?), que tem um torturador como ícone, e que não respeita a memória dos mortos nem dos vivos.

Há de se notar também que a grande massa que votou em Jair Messias Bolsonaro foi impulsionada por um sentimento comum: o ódio. Esse ódio alimentado pela figura de Lula e do PT foi fundamental para que alguém que se propunha como "redentor" surgisse no caminho à presidência. Mas também, como é possível que o brasileiro médio não acredite que o PT quebrou o Brasil se essa ladainha era contada diariamente em todos os jornais por anos a fio? Primeiro a gente tira a Dilma, depois a gente tira o resto - foi o que disseram.

Pena que o tira saiu pela culatra e, depois da Dilma veio o Temer que ajudou a congelar o teto de gastos com Educação pelos anos seguintes. E para piorar seu sucessor foi exatamente essa pessoa odienta que hoje é chamado de presidente da República.

Como é possível se manter aquém a tudo o que está acontecendo no Brasil?

O desmonte na educação, no meio ambiente, na indústria e, mais do que nunca, na saúde é algo que não pode ser negligenciado da forma como o atual governo tem feito.

Porque, ainda hoje, o país não tem vacinas suficientes para imunizar sua população contra a Covid-19? Será por conta do preço da seringa ou pela ineficácia no que tange a organização do Ministério da Saúde? 

Porque o governo está preferindo ceder doses de vacinas ao setor privado do que investir em doses gratuitas para o Sistema Único de Saúde (SUS)?

Porque o governo brasileiro optou por uma cobertura mínima ao aderir à aliança mundial de vacinas contra a Covid-19, o Covax Facility?

O que o presidente tem feito para precisar de um gasto com R$15,5 bilhões em leite condensado e R$ 2,2 milhões em chicletes? Será que dona Michele Bolsonaro está fazendo caridade com o dinheiro público?

Até quando o brasileiro vai manter a inércia e aguentar políticos que negligenciam a população e só sabem se beneficiar das diversas regalias da máquina pública?

Algumas dessas questões podem ser facilmente resolvidas, outras nem tanto. Só que, no final das contas, cabe a cada um de nós descobrir de que lado desejamos ficar: do desempregado que reza pelo bem do patrão, daquele que finge e diz que "tudo tem melhorado" ou de quem tem coragem de peitar a realidade e dizer livremente "fora Bolsonaro".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Diferenças de idade e Romeu e Julieta

Ontem estava dando uma olhada no tumblr e vi um post que me deixou intrigada. Era mais ou menos assim: " Romeu e Julieta é um dos romances mais belos do mundo. Ele tinha 17 anos e ela tinha 13. Hoje, se uma menina de 13 namorar com um cara de 17, todo mundo vai achar estranho e possivelmente discriminá-los. Só que se esquecem que  o amor, pra acontecer, não tem idade . " Tá, eu concordo que Romeu e Julieta seja um clássico e que o amor não depende de idade pra acontecer. Mas o problema, nos dias atuais, é que as pessoas confundem amor com paixão, atração, e mais comumente, com carência. Os namoros de hoje são baseados em coisas completamente erradas, pra ser mais exata. Acho que grande parte do mundo jovem se esquece do respeito ao próprio corpo, e por não se respeitar, acabam por fazer o mesmo com os outros ao seu redor, acreditando que os prazeres carnais de um namoro, ou mesmo de uma "ficada", vão satisfazer-lhe por mais de alguns poucos instantes ou mesmo a...

A falácia do sucesso contemporâneo

( Photos by Lanty on  Unsplash ) Hoje em dia, um certo tipo de sucesso virou meta de vida. Ter o carro do ano e uma casa luxuosa com piscina, desfilar com roupas e sapatos de grife, ter o celular da maçã (da versão mais atualizada, é claro), manter o cabelo impecável no salão mais caro da cidade, fazer tratamentos de beleza dos mais variados (de botox a criolipólise), além de viagens para lugares paradisíacos e manter o feed do Instagram sempre atualizado com fotos semiprofissionais... Tudo isso parece ser a imagem perfeita daqueles que são bem-sucedidos. Mas e quanto a você, mero mortal — que precisa trabalhar no mínimo 8 horas por dia para pagar as contas do mês, colocar comida na mesa, manter a casa minimamente organizada, quitar a prestação do carro parcelado em 36 vezes (com juros) ou os boletos referentes à compra daquela blusinha ou da make que a influencer do momento recomendou —, será que esse tal sucesso é, de fato, alcançável? Num mundo em que nem tudo é o que pa...

Fe.mi.ni.cí.dio

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil No dia 5 de março de 2015, o Brasil avançava sobre uma temática que diz respeito à todas as mulheres: era, então, criada a Lei 13.104, a lei do feminicídio. Quase uma década depois, em 9 de outubro de 2024, a mesma lei teria incorporado um aumento da pena  dos assassinos para até 40 anos, além de vetar que autores de crimes contra mulheres exerçam cargos públicos. Tudo muito bonito no papel, mas e na vida real? No fim da tarde dessa segunda-feira (21), na minha cidade, Teixeira de Freitas (BA), aconteceu um duplo feminicídio. O crime? O assassinato de Elaine Miranda de Araújo Milbratz e de sua irmã Hiane Miranda de Araújo Aguiar cometidos pelo ex-marido de Elaine, o Felipe Milbratz Ferreira. Entre as supostas motivações para tal estariam a disputa judicial pelos bens do então casal no processo de divórcio  e a não aceitação do término do relacionamento pelo então companheiro. É interessante dizer que Elaine já havia denunciado o ex por ameaças, ...