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A falácia do sucesso contemporâneo

(Photos by Lanty on Unsplash)


Hoje em dia, um certo tipo de sucesso virou meta de vida. Ter o carro do ano e uma casa luxuosa com piscina, desfilar com roupas e sapatos de grife, ter o celular da maçã (da versão mais atualizada, é claro), manter o cabelo impecável no salão mais caro da cidade, fazer tratamentos de beleza dos mais variados (de botox a criolipólise), além de viagens para lugares paradisíacos e manter o feed do Instagram sempre atualizado com fotos semiprofissionais... Tudo isso parece ser a imagem perfeita daqueles que são bem-sucedidos.

Mas e quanto a você, mero mortal — que precisa trabalhar no mínimo 8 horas por dia para pagar as contas do mês, colocar comida na mesa, manter a casa minimamente organizada, quitar a prestação do carro parcelado em 36 vezes (com juros) ou os boletos referentes à compra daquela blusinha ou da make que a influencer do momento recomendou —, será que esse tal sucesso é, de fato, alcançável?

Num mundo em que nem tudo é o que parece, fica difícil distinguir o que é realidade e o que é filtro para disfarçar as imperfeições (do rosto, do corpo, da vida...). Mas, o que é pior, tem muita gente que se utiliza desses meios para propagar uma falsa ideia de que todo mundo pode alcançar esse tal sucesso. A verdade é que, no capitalismo — sistema em que vivemos e que, inclusive, está afirmado em nossa Constituição Federal — o acúmulo de riqueza é sempre proveniente da exploração. Ou você acredita mesmo na falácia de "eu consegui porque eu mereci?"?

Basta pegar a lista de milionários da Forbes ou as pessoas mais ricas do mundo. Claro que existem exceções (bem poucas, por sinal) daqueles que construíram o seu negócio e a partir daí prosperaram, mas isso não é a regra. A maioria dessas pessoas constituíram seu império a partir da exploração massiva da mão de obra e de riquezas naturais.

Um adendo importante: eu não estou falando de pessoas de classe média alta e sim de pessoas realmente ricas. Quer uma dica de como distinguir quem é rico ou quem parece ser rico? Basta saber se o indivíduo é dono dos meios de produção ou não. Ou ainda analisar se, caso essa pessoa perca o emprego ou seu negócio venha a falir, ela conseguiria sobreviver de renda por anos a fio. Não conseguiria? Então, sinto muito te dar essa triste notícia, mas, infelizmente, ela não é rica.

A partir dessa consciência, enquanto classe trabalhadora, é possível entender que, não, por mais que você tenha pensamento positivo, mindset certeiro, ponha em prática todas as técnicas ensinadas pelos coaches e persista muito (mas muito mesmo), esse ideal de sucesso não será pra você. "Ah, Isabela, mas eu consigo fazer uma viagem para a Disney todos os anos", "eu tenho a última versão do iPhone" ou "comprei o carro mais caro do mercado atual". É. Você pode fazer isso. Mas a que custo? Será que para estar comprando esses bens de consumo, fazendo essas viagens e afins você não está se endividando? Pois o rico, o rico de verdade, faz tudo isso aí sem se preocupar com parcelamento, já que consegue pagar tudo à vista.

"Mas o influencer tal conseguiu mudar de vida e tem tudo disso que você falou e um pouco mais". Caso ele não seja um picareta como o Pablo Marçal (que no caso, não é apenas picareta, mas um estelionatário condenado, diga-se de passagem) ou ainda esteja acumulando riqueza através de transações ilícitas (vide jogo do tigrinho e demais jogos de azar, lavagem de dinheiro e negócios com o crime organizado), sim, é possível que alguém mude de vida, seja com um negócio próprio ou com as mídias digitais. Mas isso não é a regra, e sim a exceção.

Isso significa que você deve parar de tentar conseguir uma vida mais confortável para você e para os seus? Ou que sonhar em fazer uma viagem internacional seja algo impossível? Não, em absoluto! O que eu quero dizer é que a sua visão de sucesso não precisa ser a mesma daquele cara que nasceu em berço de ouro, entretanto vive repetindo a velha ladainha de que basta persistir para alcançar seus sonhos. Ou ainda que você precisa ter tudo aquilo para ser bem sucedido.

Partir do princípio de que existem conquistas individuais e que não podem ser mensuradas em preço de mercado torna a vida mais leve e menos dolorosa. Conquistar um diploma em universidade federal, superar o luto de um ente querido, terminar um relacionamento tóxico de anos, fazer terapia e descobrir-se, ir ao cinema pela primeira vez sozinho, aprender a tocar um instrumento ou a falar uma outra língua, conseguir manter uma rotina de atividade física e alimentação um pouco mais saudável, ou até mesmo comprar um objeto que você estava desejando há tempos. Tudo isso é conquista e deve ser celebrado, por menor que pareça.

Pelo menos pra mim, enxergar por esse ângulo me ajuda a ver a vida com menos cobrança sobre mim mesma e mais certeza de quem eu sou e do que, realmente, me faz feliz.

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