Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil |
No dia 5 de março de 2015, o Brasil avançava sobre uma temática que diz respeito à todas as mulheres: era, então, criada a Lei 13.104, a lei do feminicídio. Quase uma década depois, em 9 de outubro de 2024, a mesma lei teria incorporado um aumento da pena dos assassinos para até 40 anos, além de vetar que autores de crimes contra mulheres exerçam cargos públicos. Tudo muito bonito no papel, mas e na vida real?
No fim da tarde dessa segunda-feira (21), na minha cidade, Teixeira de Freitas (BA), aconteceu um duplo feminicídio. O crime? O assassinato de Elaine Miranda de Araújo Milbratz e de sua irmã Hiane Miranda de Araújo Aguiar cometidos pelo ex-marido de Elaine, o Felipe Milbratz Ferreira. Entre as supostas motivações para tal estariam a disputa judicial pelos bens do então casal no processo de divórcio e a não aceitação do término do relacionamento pelo então companheiro.
É interessante dizer que Elaine já havia denunciado o ex por ameaças, chegando a conseguir uma medida protetiva — algo que deveria resguardar a vítima do seu agressor. O problema é que esta medida foi derrubada por uma liminar judicial, pouco tempo antes do episódio que culminaria na sua morte.
O assassino tentou fugir, mas foi pego pela polícia e preso em flagrante. Elaine deixa um casal de gêmeos, frutos da união com Felipe. Hiane também deixa uma filha e o esposo. Um crime bárbaro, mas que acontece todos os dias no nosso país. Para se ter uma ideia, de março de 2015 até dezembro de 2023, ao menos 10.655 mulheres foram assassinadas nessa categoria criminal.
Considerando o ano de 2023, a cada seis horas, uma mulher foi vítima de feminicídio, num total de 1.463, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número é o maior desde que esse tipo de crime foi tipificado. Entre os estados com os maiores números estão São Paulo (221), Minas Gerais (183), Bahia (108), Rio de Janeiro (99) e Rio Grande do Sul (87).
E o que é pior: as vítimas ainda têm (muito) medo de denunciar seus agressores enquanto ainda há tempo. Isso pode ser verificado a partir dos dados obtidos do relatório do Monitor de Feminicídios no Brasil, elaborado pelo Laboratório de Feminicídios no Brasil (LESFEM). De acordo com a matéria da Catarina Duarte da Ponte Jornalismo, republicada pelo ICL Notícias,
"No primeiro semestre deste ano, 81,1% das vítimas de feminicídio no Brasil foram mulheres que nunca antes haviam registrado um boletim de ocorrência ou obtido medida de proteção contra seus agressores. (...)
Entre janeiro e junho, o Monitor registrou 905 casos com indícios de feminicídio consumado e 1.102 tentativas. A média diária foi de 4,98 feminicídios e 6,05 tentativas. Em comparação com o semestre anterior, o aumento foi de 4,8% nas mortes e de 319% nas tentativas. Segundo o Código Penal, feminicídio é a morte cometida em razão de a vítima ser uma mulher.
O relatório também mostra que o “feminicídio íntimo” é o mais comum. A tipologia diz respeito a casos em que o agressor fez parte do círculo de intimidade da vítima, como um marido ou ex-companheiro. E é aos finais de semana, especialmente no domingo, que a maioria dos casos (consumados ou tentados) ocorre. O período concentra um terço dos registros.".
O feminicídio está diretamente relacionado à ideia de submissão da mulher ao homem, já que, segundo tal lógica, a mulher seria propriedade do homem. Propriedade que pode ser censurada, recriminada, encarcerada, violada, humilhada, violentada e, no pior dos casos, morta.
O mais é absurdo é que em pleno 2024 — num momento em que o ser humano já obteve tantas conquistas, como o avanço da ciência e da tecnologia, em um mundo que usa o virtual como uma de suas maiores ferramentas de comunicação —, uma ideia tão retrógrada e abjeta como essa ainda esteja impregnada em nossa realidade cotidiana.
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